A epidemia da solidão gay: ser gay não é fácil


Traduzido do artigo de Michael Hobbes do site Huffington Post



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“Eu ficava tão feliz quando acabava a metanfetamina.”

Quem fala é meu amigo Jeremy.

“Enquanto ainda tem meta pra usar”, ele diz, “você tem que continuar usando. Quando acaba, daí você pensa, ‘que bom, agora eu posso voltar pra vida normal’. Eu ficava acordado o final de semana inteiro, indo pra festas de sexo, e daí ficava me sentindo uma merda até a quarta-feira. Há uns dois anos eu passei a usar cocaína, porque daí pelo menos eu conseguia trabalhar no dia seguinte.”

Jeremy está me contando isso em uma cama de hospital, no sexto andar de um edifício em Seattle. Ele não quer me contar os detalhes de sua overdose, disse apenas que um desconhecido chamou uma ambulância e ele acordou aqui.

De todos os meus amigos, Jeremy era o último com quem eu esperava ter essa conversa. Até há poucas semanas, eu não fazia ideia de que ele tomava qualquer coisa mais pesada que um martini. Ele está em boa forma, é inteligente, não come glúten, é o tipo de cara que usa roupas sociais em qualquer dia da semana. Quando nos encontramos pela primeira vez, há três anos, ele me perguntou se eu conhecia algum lugar bom para se fazer Crossfit. Hoje, quando eu lhe pergunto como estão as coisas no hospital, sua primeira reclamação é que aqui não tem wi-fi, e ele tem muito e-mail para colocar em dia.

“As drogas eram uma resposta àquela dobradinha, tédio e solidão,” afirma. “Eu chegava em casa exausto na noite de sexta-feira, e vinha aquela questão, ‘O que tem pra hoje?’. Daí eu ligava pra alguém vir entregar metanfetamina em casa, e navegava pela Internet pra conferir se tinha alguma festa pra ir. Se não fizesse isso, a opção era ficar em casa sozinho vendo um filme.”

Jeremy não é meu único amigo gay com esse tipo de dificuldade. Meu amigo Malcolm sofre tanto de ansiedade que mal sai de casa, só vai para o trabalho. Jared é assolado por depressão e dismorfia corporal, e por causa disso sua vida social aos poucos se reduziu a mim, às pessoas que encontra na academia e às pessoas que pega nos aplicativos. O segundo cara que eu beijei na minha vida, Christian, suicidou-se aos 32 anos, duas semanas depois que seu namorado pôs fim ao relacionamento. Christian foi a uma loja de materiais para festas, comprou um tanque de hélio, voltou para casa e começou a inalar o gás. Então mandou uma mensagem de texto para seu ex, dizendo para ele vir, para ter certeza que seria ele quem encontraria o corpo.

Há anos eu percebo uma divergência entre meus amigos hétero e meus amigos gays. Enquanto uma metade do meu círculo social desaparece por causa de seus relacionamentos, dos filhos e da vida pacata, a outra sofre com o isolamento e ansiedade, drogas pesadas e sexo de risco.

Isso não se encaixa nas histórias que me foram contadas, ou na história que eu contei para mim mesmo. Assim como eu, Jeremy não sofreu bullying nem foi rejeitado por sua família durante a infância. Ele não tem qualquer memória de ter sido xingado de “bicha” ou “viadinho”. Ele cresceu num subúrbio da Costa Oeste, criado por uma mãe lésbica. “Ela contou para mim que era homossexual quando eu tinha 12 anos”, lembra-se. “E, duas frases depois, falou para mim que sabia que eu era gay. Eu mesmo mal compreendia isso naquela época.”


Eu e Jeremy temos hoje 34 anos. Ao longo nossas vidas, a comunidade LGBT obteve mais progressos em questões de aceitação legal e social que qualquer outro grupo demográfico na história. Durante minha adolescência o casamento homoafetivo ainda era um sonho distante, um termo que os jornais faziam questão de colocar entre aspas. Hoje, ele está garantido por lei pela Suprema Corte. O apoio da população em geral ao casamento homoafetivo escalou dos 27 porcento em 1996 para 61% em 2016. Na cultura pop, fomos de Parceiros da noite para Queer Eye for the Straight Guy até Moonlight. Os personagens homossexuais são tão comuns hoje em dia que eles podem até ter defeitos.

Mesmo assim, enquanto celebramos a magnitude e velocidade de tantas mudanças, os níveis de depressão, solidão e abuso de substâncias na comunidade LGBT permanecem fixos no mesmo patamar há décadas. Dependendo do estudo, estima-se que hoje homossexuais são de 2 a 10 vezes mais propensos a se suicidarem. A probabilidade de que passaremos por um período de depressão profunda é duas vezes maior. E, assim como a última epidemia que atravessamos, o trauma parece se concentrar nos homens. Uma pesquisa feita com homens gays que haviam se mudado para Nova York há pouco tempo avaliou que três quartos (75%) dos entrevistados já havia sofrido de ansiedade ou depressão, abusado de drogas ou álcool, ou praticado sexo sem proteção – ou uma combinação dessas três práticas. Apesar de falarmos tanto das “famílias que escolhemos”, homens gays têm menos amigos íntimos que pessoas heterossexuais ou mulheres lésbicas. Ao responder uma pesquisa sobre pessoas que trabalham em clínicas para HIV, um dos entrevistados disse para os pesquisadores: “A questão não é  se eles sabem como salvar suas vidas. A questão é que eles não têm certeza de que salvar suas vidas vale a pena.”


Eu não vou fazer de conta que eu consigo tratar desse assunto de maneira objetiva. Eu sou um gay que está sempre solteiro, criado numa cidade extremamente liberal por pais de mente aberta. Eu não conheço ninguém que morreu de Aids, nunca fui discriminado diretamente, e saí do armário para cair num mundo em que um casamento com família de margarina, mais do que uma possibilidade para mim, é algo esperado. E no entanto eu já entrei e saí da terapia mais vezes do que eu já baixei e apaguei o Grindr no meu celular.

“O casamento igualitário e as mudanças de status legal foram algo bom para alguns gays”, aponta Christopher Stults, um pesquisador da Universidade de Nova York que estuda as diferenças entre a saúde mental de homens gays e homens héteros. “Mas para muitos outros, foi uma decepção. Agora nós temos um novo status perante a lei, e no entanto ainda há um vazio.”

E esse vazio, veja só, não é exclusividade dos norte-americanos. Na Holanda, onde o casamento homoafetivo foi legalizado em 2001, homens gays ainda são três vezes mais propensos a sofrerem de um transtorno psíquico que os heterossexuais, e têm 10 vezes mais chance de infligirem “agressões suicidas” a si mesmos. Na Suécia, onde a união civil existe desde 1995 e o casamento homoafetivo pleno é realidade desde 2009, homens casados com homens têm uma taxa de suicídio três vezes maior que o de homens casados com mulheres.


Todas essas estatísticas intoleráveis levam à mesma conclusão: viver como um homem que sente atração por outros homens ainda é perigosamente alienante. A luz no fim do túnel, no entanto, é que os epidemiologistas e os cientistas sociais estão cada vez mais perto de compreender por que isso acontece.
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Nossos corpos trazem o armário consigo para a vida adulta


Travis Salway, um pesquisador do Centro de Controle Epidemiológico de British Columbia em Vancouver, passou os últimos cinco anos tentando descobrir por que gays continuam a se suicidarem tanto.

“A característica principal dos gays costumava ser a solidão de se viver no armário”, afirma. “Mas agora nós temos milhões de homens gays que vivem abertamente, e mesmo assim sentem-se isolados.”

Nós estamos almoçando num restaurante de balcão. É novembro, e ele chega vestindo jeans, galochas e um anel de casamento.

“Você é um gay casado, hein?”, pergunto.

“E monogâmico”, ele responde. “Acho que assim vamos ganhar a chave da cidade.”

Salway cresceu em Celina, Ohio, uma cidade industrial decadente com, talvez, 10 mil habitantes. O tipo de lugar, ele conta, onde aos 21 anos quem não foi para a faculdade está casado. Ele sofria com o assédio por ser gay antes mesmo de saber que era gay. “Eu era afeminado e participava do coral”, relembra. “Isso já bastava.” Então tornou-se mais cuidadoso. Ele manteve uma namorada durante a maior parte do ensino médio, e tentava evitar os garotos – romantica e platonicamente – até sair de lá.

No final dos anos 2000, Salway trabalhava como assistente social e epidemiologista e, assim como eu, percebeu a distância cada vez maior entre seus amigos gays e seus amigos heterossexuais. Ele começou questionar se a história que sempre havia escutado sobre homens gays e saúde mental não estava incompleta.

Quando essa disparidade primeiro veio à tona, nos anos 1950 e 1960, os médicos pensavam que esse era um sintoma da homossexualidade em si, apenas mais uma das muitas manifestações do que, na época, era conhecido como “inversão sexual”. Conforme o movimento dos direitos LGBT começou a ganhar força, no entanto, a homossexualidade foi retirada do catálogo de distúrbios mentais e a explicação para isso passou a ser o trauma. Gays eram expulsos de suas famílias, suas vidas eram vividas na ilegalidade. É claro que haveria níveis alarmantes de suicídio e depressão entre eles. “Eu também achava isso”, confirma Salway, “que o suicídio entre os gays era um produto de tempos já passados, ou que se concentrava entre adolescentes que achavam que não tinham outra saída.”

Ele, então, analisou os dados. O problema não era apenas o suicídio, não afetava apenas adolescentes e não acontecia apenas em áreas manchadas pela homofobia. Ele descobriu que homens gays de todas as partes, de todas idades, sofrem mais com doenças cardíacas, câncer, incontinência, disfunção erétil, alergias e asma – seja o que for, estamos aí. No Canadá, Salway descobriu depois de algum tempo, mais gays morrem de suicídio que de Aids, e isso já acontece há anos. (Pode ser que isso também aconteça nos EUA, afirma, mas ninguém se deu o trabalho de realizar esse estudo ainda.)

“Encontramos gays que nunca foram atacados sexualmente ou fisicamente mas demonstram sintomas de estresse pós-traumático similares a pessoas que viveram em condições de combate ou que foram estupradas”, aponta Alex Keuroghlian, psiquiatra do Centro de Pesquisa de População para Saúde LGBT do Insituto Fenway.

Keroughlian afirma que gays “são condicionados para esperar a rejeição”. Constantemente analisamos as situações sociais, em busca de maneiras em que não nos encaixamos. Esforçamo-nos para validar a nós mesmos. Revisamos nossas falhas sociais em nossas mentes continuamente.

O que há de mais estranho nesses sintomas, no entanto, é que a maioria de nós sequer reconhece esses comportamentos como sintomas. Depois de analisar as estatísticas, Salway passou a entrevistar gays que tentaram se matar e sobreviveram.

“Quando se pergunta por que eles tentaram se matar”, conta, “a maioria deles não diz nada sobre ser gay.” Ao invés disso, recorda-se, eles diziam que tinham problemas de relacionamento, problemas de carreira, problemas financeiros. “Eles não sentem que sua sexualidade é o aspecto mais saliente de suas vidas. E, mesmo assim, eles são muito mais propensos a tentar se matar.”

O termo que pesquisadores cunharam para explicar esse fenômeno é “estresse de minoria”. Em sua forma mais direta, é algo bem simples: ser o membro de um grupo marginalizado requer esforço extra. Quando se é a única mulher num encontro de negócios, ou o único negro numa moradia universitária, você tem que raciocinar em níveis que a maioria das pessoas não precisa. Será que, ao enfrentar seu chefe, ou não enfrentar seu chefe, você está recaindo nos estereótipos das mulheres no lugar de trabalho? Será que, ao ir mal num teste, as pessoas vão pensar que isso é por causa de sua raça? Mesmo quando não se vivencia um estigma abertamente, considerar essas possibilidades exige muito das pessoas com o passar do tempo.

Para homossexuais, o efeito é ampliado pelo fato de que nosso status de minoria é oculto. Além de lidar com todas essas preocupações extras e aos meros doze anos de idade termos que responder a esse questionário interno, temos que passar por tudo sem sermos capazes de falar sobre isso com nossos amigos ou nossos pais.

John Pachankis, um pesquisador de estresse em Yale, afirma que o dano real acontece nos cinco anos (mais ou menos) entre dar-se conta da sua sexualidade e começar a contar para as outras pessoas. Mesmo os menores eventos estressantes que ocorrem durante esse período têm um efeito desproporcional – não porque são diretamente traumáticos, mas porque começamos a esperar que aconteçam. “Ninguém precisa dizer que você é bicha para você começar a ajustar seu comportamento para evitar ser xingado”, afirma Salway.

James, agora quase com 20 anos e quase totalmente fora do armário, conta que no sétimo ano, quando era um garoto de 12 anos dentro do armário, uma colega de classe perguntou o que ele achava de uma outra garota. “Bem, ela se parece com um homem”, respondeu, sem pensar, “então sim, quem sabe eu transaria com ela”.

Imediatamente, lembra-se, ele entrou em pânico. “Fiquei pensando, será que alguém reparou? Será que contaram para os outros que eu tinha dito aquilo?”

Eu também passei minha adolescência assim: tomando cuidado, cometendo deslizes, ficando preocupado, compensando em demasia. Uma vez, num parque aquático, um dos meus amigos de escola reparou que eu o observava fixamente enquanto estávamos na fila de um tobogã. “Cara, você tá me secando?”, ele falou. Eu dei um jeito de desviar – algo tipo “Hah, você não é meu tipo” – e passei as semanas seguintes preocupado com o que ele pensava sobre mim. Mas ele nunca disse nada. Todo o bullying aconteceu dentro da minha cabeça.

“O trauma causado nos gays acontece por causa da maneira prolongada como isso se dá”, explica William Elder, um pesquisador de traumas sexuais e psicólogo. “Quando se passa por um evento traumático, ganha-se o tipo de transtorno de estresse pós-traumático que pode ser resolvido com quatro ou seis meses de terapia. Mas quando se vivencia anos e anos de pequenos traumas – coisas banais em que se pensa, será que isso aconteceu por causa da minha sexualidade? – as coisas podem ficar muito piores.”

Ou, como descreve Elder, viver no armário é como ter alguém dando socos leves no seu braço o tempo todo. No começo, incomoda. Depois de um tempo, enfurece. Mais cedo ou mais tarde, é impossível pensar sobre qualquer outra coisa.

Crescer gay, de certa forma, causa tanto dano quanto crescer em condições de miséria extrema. Um estudo de 2015 descobriu que homossexuais produzem menos cortisol, o hormônio que regula o estresse. Seus sistemas são ativados com tanta frequência e tão intensamente durante a adolescência que, ao chegar na vida adulta, estão esgotados, afirma Katie McLaughlin, uma das co-autoras do estudo. Em 2014 pesquisadores compararam os riscos cardiovasculares de adolescentes heterossexuais e adolescentes homossexuais. Eles descobriram que os jovens homossexuais não tinham uma quantidade maior de “eventos estressantes” em suas vidas (ou seja, os jovens heterossexuais também têm problemas), mas os eventos que vivenciaram infligiam danos maiores em seus sistemas nervosos.

Annesa Flentje, uma pesquisadora de estresse da Universidade da Califórnia em San Francisco, especializou-se nos efeitos que o estresse de minoria tem sobre a expressão genética. Todos aqueles socos leves unem-se às maneiras como nos adaptamos a eles, ela diz, e tornam-se “maneiras automáticas de pensar que nunca são colocadas em dúvida e nunca são desligadas, mesmo depois de 30 anos”. Nossos corpos trazem consigo o armário, mesmo que a gente não se dê conta disso. “Nós não temos as ferramentas para lidar com o estresse quando somos jovens, e não percebemos que isso é um trauma depois de adultos”, afirma John, um ex-consultor que abandonou seu emprego há dois anos para viver de fazer cerâmica e guiar turistas pela serra Adirondack. “Nossa reação automática é lidar com as situações hoje da mesma maneira como fazíamos durante a infância.”

Até mesmo Salway, que dedica sua carreira a compreender o estresse de minoria, admite que há dias em que ele se sente desconfortável ao passear com seu parceiro por Vancouver. Ninguém jamais os agrediu, mas algumas vezes já ouviu xingamentos que alguns idiotas berravam em sua direção. Não é necessário que isso aconteça muitas vezes para que isso se torne algo esperado, até que seu coração comece a acelerar um pouco cada vez que um carro se aproxima.

Mas o estresse de minoria não explica por completo por que gays têm uma gama tão variada de problemas de saúde. A primeira série de danos acontece antes de sair do armário, mas a segunda, talvez a mais severa, acontece depois.

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“A gente sai da casa da nossa mãe e vai para uma boate gay cheia de pessoas drogadas. Essa é a minha comunidade? Isso aqui parece uma selva”


Ninguém ensinou Adam a ser afeminado. Mas ele, como eu, como a maioria de nós, aprendeu isso de alguma maneira.

“Eu nunca me preocupei com a possibilidade da minha família ser homofóbica”, recorda-se. “Eu costumava enrolar um cobertor ao redor da cintura como se fosse um vestido e ficava dançando no quintal. Meus pais achavam bonitinho, até filmaram e mostraram o vídeo para meus avós. Eu fiquei escondido atrás do sofá enquanto todos assistiam à fita, de tanta vergonha. Eu tinha seis ou sete anos.”

Quando ele entrou no Ensino Médio, Adam já tinha aprendido a controlar suas afetações a ponto de ninguém desconfiar que ele era gay. Mesmo assim, lembra-se, “eu não podia confiar em ninguém por causa daquilo que vivia escondendo. Eu tinha que funcionar no mundo como um agente solitário.”

Ele saiu do armário aos 16 anos, formou-se na universidade, e então se mudou para San Francisco e começou a trabalhar na prevenção do HIV. A sensação de afastamento de outras pessoas não foi embora. Ele tentava resolver isso, acredita, “fazendo sexo, muito sexo. Esse é o recurso mais acessível que temos na comunidade gay. Você se convence que, quando se faz sexo com alguém, há um momento de intimidade. Isso se transforma numa muleta.”

Ele trabalhava muitas horas por dia. Ele chegava em casa exausto, fumava um pouco de maconha, bebia uma taça de vinho, e começava a vasculhar os aplicativos de pegação atrás de alguém que viesse até sua casa. Algumas vezes ele se encontrava com dois ou três caras seguidos. “Assim que o cara ia embora e eu fechava a porta, eu pensava ‘esse deixou a desejar’, então eu ia atrás de outro.”

Isso se repetiu por anos. Em novembro do ano passado ele viajou para visitar seus pais e sentiu uma necessidade compulsiva de fazer sexo, porque estava se sentindo estressado demais. Quando finalmente encontrou um homem por perto que estava disposto a encontrá-lo, ele correu até o quarto de seus pais e começou a revirar suas gavetas para ver se eles tinham algum Viagra escondido.

“Esse foi o momento que você chegou no fundo do poço?”, pergunto eu.

“Mais para a terceira ou quarta vez que eu cheguei ao fundo do poço”, ele responde.

Hoje Adam está num programa de recuperação para vício em sexo. Já faz seis semanas que ele não transa. Antes disso, ele nunca tinha ficado mais do que três ou quatro dias sem transar.

“Tem gente que transa muito porque é divertido, e isso é ótimo. Mas eu ficava correndo atrás de sexo para tentar extrair dali algo que ele não podia me oferecerapoio social, ou companheirismo. E eu me recusava a ver que isso havia se tornado um problema, porque eu sempre repetia para mim mesmo, ‘eu saí do armário, me mudei para San Francisco, é isso, eu fiz tudo que precisava fazer como gay’.”

Por décadas os psicólogos pensaram da mesma forma: que os estágios fundamentais da formação da identidade do homem gay culminavam no momento de sair do armário, que, quando finalmente estávamos confortáveis com nós mesmos, poderíamos começar a construir uma vida dentro de uma comunidade formada por pessoas que haviam passado pelas mesmas situações. Mas, nos últimos 10 anos, os pesquisadores descobriram que o esforço para se encaixar torna-se cada vez mais intenso com o tempo. Um estudo publicado em 2015 descobriu que os níveis de ansiedade e depressão eram maiores entre homens que haviam declarado-se homossexuais recentemente do que entre homens que ainda viviam no armário.

“A gente sai do armário achando que vamos ser uma borboleta linda, e a comunidade gay acaba com todo o idealismo que temos”, lamenta Adam. Quando ele começou a sair do armário, conta, “eu fui para West Hollywood porque achava que era onde encontraria minha comunidade. Mas a verdade era horripilante. Ela é feita para adultos gays, e não acolhe os jovens. A gente sai da casa da nossa mãe e vai para uma boate gay cheia de pessoas drogadas, e daí fica se perguntando, isso aqui é a minha comunidade? Parece mais uma selva.

“Eu saí do armário aos 17 anos, e não encontrava um lugar para mim na cena gay”, concorda Paul, um desenvolvedor de software. “Eu queria me apaixonar como os héteros faziam nos filmes. Mas eu me sentia como se fosse um pedaço de carne. A coisa ficou tão ruim que eu comecei a ir em um supermercado a 40 minutos de distância, ao invés do que ficava a 10 minutos de casa, porque morria de medo de passar pela rua gay.”

O termo que eu escuto de Paul, e de todos, é “retraumatizado”. A gente cresce na solidão, acumulando todo tipo de bagagem emocional, e daí a gente chega na cena gay achando que finalmente vai ser aceito por quem a gente é. E daí se dá conta que todo mundo também tem bagagem emocional. De repente o motivo de rejeição não é ser gay. É seu peso, ou sua renda, ou sua raça. “Os jovens que sofriam bullying”, afirma Paul, “cresceram e passaram a fazer bullying com os outros.”

Os gays, em particular, não são muito legais uns com os outros’, aponta John, o guia turístico. “Na cultura pop as drag queens são famosas por gongarem as pessoas e é tudo muito engraçado. Mas esse tipo de maldade é quase patológico. Todos nós passamos boa parte de nossa adolescência confusos ou mentindo para nós mesmos. Mas não é muito confortável deixar que os outros vejam isso. Então nós exibimos para os outros o que o mundo nos exibe: a crueldade.”

Todos os gays que eu conheço carrega consigo um portfólio mental das merdas que outros gays já lhe disseram ou lhe fizeram. Uma vez eu cheguei num encontro e o cara levantou-se na hora, disse que eu era mais baixo do que eu aparentava nas minhas fotos, e foi embora. Alex, um instrutor de academia em Seattle, já escutou de um de seus colegas de natação: “eu vou desconsiderar essa sua cara se você me comer sem camisinha”. Martin, um britânico que mora em Portland, engordou quase 10 quilos desde que se mudou para os Estados Unidos e recebeu uma mensagem no Grindr – no dia de Natal – que dizia: “você era tão gostoso. Pena que cagou tudo.”

Para outros grupos minoritários, viver numa comunidade de pessoas semelhantes leva a taxas menores de ansiedade e depressão. Sempre ajuda estar próximo de pessoa que instintivamente entendem o que você passa. Mas para nós, o efeito é o contrário. Vários estudos descobriram que viver num bairro gay está ligado a maior incidência de sexo sem proteção e maior uso de metanfetamina, e menos tempo gasto em outras atividades comunitárias como voluntariado ou fazer esporte. Um estudo de 2009 sugere que gays mais envolvidos com a comunidade gay são menos satisfeitos com suas relações amorosas.

“Homens gays e bissexuais costumam descrever a comunidade gay como uma fonte constante de estresse em suas vidas”, alerta Pachankis. O principal motivo, afirma, é que a “discriminação dentro do próprio grupo” causa danos maiores à psique do que a rejeição vinda de membros da maioria. É fácil ignorar, rolar os olhos e mostrar o dedo do meio para os héteros que não gostam de você porque, foda-se, a gente não precisa da aprovação deles. A rejeição de outros gays, no entanto, dá a sensação de perder a única maneira de se fazer amigos e encontrar o amor. Dói muito mais quando se é afastado por pessoas como você, porque elas são mais necessárias.

Os pesquisadores com quem conversei explicaram que os gays causam esse tipo de dano uns com os outros por duas razões. Primeiro, a que eu ouvi mais frequentemente, é que os gays são cuzões uns com os outros porque, basicamente, são todos homens.

“Os desafios da masculinidade são ampliados numa comunidade de homens”, analisa Pachankis. “A masculinidade é precária. Ela tem que ser constantemente exercida, defendida, recebida. Conferimos em estudos: basta ameaçar a masculinidade entre homens para ver as imbecilidades que acontecem. Homens passam a demonstrar uma postura mais agressiva, começam a tomar riscos financeiros, começam a querer bater nas coisas.”

Isso ajuda a explicar o estigma universal contra homens femininos na comunidade gay. Segundo Dane Whicker, psicólogo clínico e pesquisador na Universidade Duke, a maioria dos homens gays afirmam que querem sair com alguém masculino, e que gostariam de se portar de maneira mais masculina. Talvez isso aconteça porque, historicamente, gays masculinos sempre conseguiram se misturar melhor na sociedade heterossexual. Ou talvez isso se deva à homofobia internalizada: gays femininos ainda são estereotipados como passivos, o parceiro receptivo durante o sexo anal.


Um estudo longitudinal realizado durante dois anos descobriu que a probabilidade de um gay se tornar versátil ou ativo se torna maior quanto mais tempo faz que ele saiu do armário. Os pesquisadores acreditam que esse tipo de treinamento, em que o homem conscientemente tenta aparentar ser mais masculino e assume um papel sexual diferente, é apenas mais uma das maneiras como os gays pressionam uns aos outros na tentativa de obter “capital sexual”, equivalente a ir à academia ou definir as sobrancelhas.

“Eu só comecei a malhar porque eu queria ter a aparência de um ativo em potencial”, confessa Martin. Quando saiu do armário, ele estava convencido que era magro demais e afeminado demais, e que os passivos pensariam que ele também era passivo. “Então eu comecei agir de maneira hipermasculina. Outro dia meu namorado reparou que eu ainda falo com voz mais grossa quando vou pedir bebidas. É um resquício dos meus primeiros anos fora do armário, quando eu achava que tinha falar igual ao Batman para conseguir sair com alguém.”

Grant, um rapaz de 21 anos que cresceu em Long Island e agora mora em Hell’s Kitchen, conta que se sentia desconfortável com a maneira como ficava parado em pé – com as mãos na cintura, uma perna levemente flexionada, feito uma dançarina. Então, no início do Ensino Médio, ele começou a ver como seus professores homens se portavam, e conscientemente passou a ficar com os pés separados, e os braços largados ao longo do corpo.

Essas normas da masculinidade exigem muito de todos, até mesmo daqueles que as impõem. Gays afeminados estão mais sujeitos ao suicídio, à solidão e aos transtornos mentais. Gays masculinos, por sua vez, têm níveis maiores de ansiedade, estão mais sujeitos a práticas sexuais de risco e usam drogas e tabaco com maior frequência. Um estudo que investigou por que viver numa comunidade gay aumenta os casos de depressão descobriu que esse efeito acontece apenas entre gays masculinos.


A segunda razão por que a comunidade gay é funciona como uma causa de estresse entre seus membros não é tanto o por que de nós nos rejeitarmos uns aos outros, mas como.

Nos últimos 10 anos, os espaços gays tradicionais – bares, boates, saunas – começaram a desaparecer, e foram substituídos pelas mídias sociais. Pelo menos 70 por cento dos gays hoje em dia utilizam aplicativos de pegação como Grindr e Scruff para se encontrarem. Em 2000, por volta de 20 por cento dos casais gays haviam se conhecido online. Em 2010, essa cifra havia subido por 70 por cento. Enquanto isso, a parcela de casais gays que havia se conhecido por intermédio de amigos caiu de 30 por cento para 12 por cento.

Em geral, quando se ouve sobre a proeminência chocante que os aplicativos de pegação têm na vida gay – Grindr, o mais popular, relata que em média um usuário gasta 90 minutos por dia no aplicativo – isso acontece em histórias que, em tom de pânico, alertam sobre assassinos ou agressores homofóbicos que rondam seus usuários atrás de vítimas, ou sobre a problemática cena de festas de chemsex que brotaram em Londres e Nova York. E, sim, esses problemas realmente existem. Mas o efeito real dos aplicativos é mais sutil, chama menos atenção e, de certa forma, é mais profundo: para muitos de nós, eles se tornaram a principal maneira como interagimos com outras pessoas gays.

“É muito mais fácil encontrar alguém para pegar no Grindr do que ir sozinho para um bar”, descreve Adam. “Especialmente quando se é novo na cidade, é muito mais fácil permitir que os aplicativos de pegação se tornem sua vida social. Fica mais difícil ir atrás de situações sociais em que se tem que fazer mais esforço.”

“De vez em quando eu fico com vontade de me sentir desejado, daí eu entro no Grindr”, admite Paul. “Eu coloco uma foto minha sem camisa no perfil e começo a receber mensagens dizendo que eu sou gostoso. É bom na hora, mas isso nunca dá em nada, e essas mensagens param de chegar depois de alguns dias.”

O pior desses aplicativos, no entanto, e a razão por que eles são tão relevantes para a disparidade entre a saúde de homens gays e homens heterossexuais, não é apenas que nós o utilizamos demais. É que eles são quase feitos sob medida para reforçar nossas crenças negativas a respeito de nós mesmos. Elder, o pesquisador de estresse pós-traumático, descobriu em suas entrevistas com gays, realizadas em 2015, que 90 por cento deles afirmavam que buscavam um parceiro alto, jovem, branco, musculoso e masculino. Para a grande maioria de nós que mal consegue preencher um desses pré-requisitos, muito menos os cinco ao mesmo tempo, os aplicativos de pegação tornam-se nada mais que uma maneira muito eficiente de se sentir feio.

Paul admite que “sente um frio na barriga pela expectativa de rejeição” assim que abre algum aplicativo. John, o ex-consultor, tem 27 anos, 1,85 m de altura, e uma barriga tanquinho que se percebe mesmo debaixo de uma blusa de lã. E mesmo ele diz que a maioria das suas mensagens não recebe resposta, e que ele provavelmente passa 10 horas falando com pessoas no aplicativo para cada hora que ele passa num encontro num café ou numa pegação ao vivo.

Para gays negros ou latinos é ainda pior. Vincent, um orientador de sessões de terapia com homens negros e latinos do departamento de saúde pública de San Francisco, aponta que os aplicativos dão dois tipos de retorno para as minorias raciais: rejeitado (“Desculpa, não curto negros”) e fetichizado (“Oi, eu adoro negros”). Paihan, um imigrante taiwanês em Seattle, mostrou para mim a caixa postal de sua conta no Grindr. Assim como a minha, é basicamente uma série de olás que ele mandou sem receber resposta. Uma das poucas mensagens que ele recebeu diz apenas “Orientaaaaaaal”.

Nada disso é novidade, claro. Walt Odets, um psicólogo que escreve sobre isolamento social desde a década de 1980, afirma que os gays costumavam se sentir incomodados pelas saunas da mesma maneira como hoje se incomodam com o Grindr. A diferença que ele vê em seus pacientes mais jovens é que “quando se é rejeitado numa sauna, ainda é possível puxar uma conversa. Quem sabe isso pode acabar em amizade, ou pelo menos algo que se torna uma experiência social positiva. Nos aplicativos, as pessoas são simplesmente ignoradas se ninguém as perceber como uma conquista sexual ou romântica em potencial”. Os gays que entrevistei se referiam aos aplicativos de pegação da mesma maneira como héteros se referem aos provedores de internet: são uma bosta, mas fazer o quê? “Você tem que usar os aplicativos nas cidades menores”, aponta Michael Moore, um psicólogo de Yale. “Eles funcionam como um bar gay. O lado ruim é que eles espalham todo tipo de preconceito.”

O que os aplicativos reforçam, ou talvez simplesmente aceleram, é a versão adulta do que Pachankis batizou de “A Hipótese do Melhor Garotinho do Mundo”. Quando somos crianças, crescer no armário faz com que gays tendam a depositar seu amor-próprio em qualquer coisa que o mundo exterior gostaria que fossem – bons nos esportes, bons na escola, seja o que for. Quando adultos, as normas sociais em nossa comunidade nos pressionam a depositar nosso amor-próprio ainda mais – em nossa aparência, nossa masculinidade, nossa performance sexual. Mas então, mesmo se conseguirmos dar um jeito de competir nesses quesitos, mesmo se conseguirmos obter seja qual for o ideal masculino-ativo-dominador que almejamos, tudo que estamos fazendo é nos colocando numa posição de ficarmos devastados quando, inevitavelmente, perdermos isso tudo.

“Muitas vezes vivemos nossas vidas através dos olhos dos outros”, afirma Alan Downs, psicólogo e autor de The Velvet Rage (“A fúria de veludo”, em tradução livre), um livro sobre a luta dos homens gays contra a vergonha e a validação social. “Queremos ter homens e mais homens, mais músculos, mais status, seja o que for que nos traga alguma forma de validação, mesmo que passageira. E daí acordamos um dia aos 40 anos, exauridos, e nos perguntamos, Isso é tudo? Daí chega a depressão.”
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O que nos afasta do padrão também é nossa fonte de inteligência, nossa resistência, nossa empatia



Perry Halkitis, professor da Universidade de Nova York, estuda a diferença entre a saúde de pessoas homossexuais e heterossexuais desde o início dos anos 1990. Ele já publicou quatro livros sobre a cultura gay e já entrevistou homens que estão morrendo de Aids, recuperando-se de drogas recreativas e lutando para planejar seus casamentos.

Essa é a razão por que, dois anos atrás, James, seu sobrinho de 18 anos, chegou tremendo em sua porta. Ele sentou-se com Halkitis e seu marido na sala e anunciou que é gay. “Dissemos para ele, ‘parabéns, sua carteirinha de sócio e os brindes de boas-vindas estão na outra sala'”, lembra-se Halkitis. “Mas ele estava nervoso demais para sacar a piada.”

James cresceu no Queens, um membro amado de uma família grande, afetuosa e liberal. Ele frequentou uma escola pública onde havia jovens abertamente gays. “Mesmo assim”, conta Halkitis, “havia todo um tormento emocional. Ele sabia, racionalmente, que tudo estaria bem, mas viver no armário não é racional, é emocional.”

Ao longo dos anos James havia se convencido que jamais sairia do armário. Ele não queria esse tipo de atenção, nem considerar perguntas que não seria capaz de responder. Sua sexualidade não fazia sentido para ele – como seria possível então explicá-la para outras pessoas? “Eu via todas essas famílias tradicionais na TV”, ele me contou, “E, ao mesmo tempo, eu assistia pornô gay aos montes, onde todo mundo é super sarado e solteiro e trepa o tempo inteiro. Então eu pensei que essas eram as minhas duas opções: essa vida de contos de fadas que eu nunca poderia ter, ou essa vida gay em que não há romance.”

James lembra-se do momento em que decidiu entrar no armário. Ele devia ter 10 ou 11 anos, forçado a passar as férias em Long Island com seus pais. “Eu observava nossa família inteira a meu redor, as crianças correndo de um lado para outro, e pensei ‘eu jamais vou ter algo assim’, e comecei a chorar.”


No momento em que ele diz isso, eu percebo que ele está descrevendo a mesma revelação que eu tive quando tinha sua idade, o mesmo pesar. Isso aconteceu com James em 2007. Comigo, em 1992. Halkitis diz que a sua ocorreu em 1977. Surpreso que alguém da idade de seu sobrinho ainda poderia pela mesma coisa que vivenciou, Halkitis decidiu que o tema de seu próximo livro seria o trauma de quem vive o armário.

“Mesmo hoje, mesmo em Nova York, mesmo quando se tem pais compreensivos, sair do armário é um processo desafiador”, avisa Halkitis. “E talvez sempre será.”

O que podemos fazer a respeito, então? Quando se pensa a respeito de leis de casamento ou proibições a crimes de ódio, costumamos entendê-los como proteções de nossos direitos. O que é menos compreendido é que essas leis literalmente afetam nossa saúde.

Um dos estudos mais impressionantes que descobri descreve o pico de ansiedade e depressão que aconteceu entre os homens gays em 2004 e 2005, os anos em que 14 estados dos Estados Unidos aprovaram emendas em suas constituições estaduais para que o casamento fosse definido como algo exclusivamente entre um homem e uma mulher. Houve um aumento de 37% entre os transtornos de humor entre os gays desses estados, um aumento de 42% no alcoolismo, e um aumento de 248 porcento em transtornos de ansiedade generalizada.

O mais aterrador desses números é que os direitos legais dos homossexuais que viviam nesses estados não mudaram de maneira palpável. Gays não podiam se casar no Michigan antes da amenda ser aprovada, e gays continuaram a não poderem se casar no Michigan depois que ela foi aprovada. Essas leis eram meramente simbólicas. Elas eram a maneira que a maioria encontrou de informar aos homossexuais que eles não eram bem quistos. Pior, os níveis de ansiedade e depressão não aumentaram apenas nos estados que aprovaram as emendas constitucionais. Eles também cresceram (menos dramaticamente) entre homossexuais do país inteiro. A campanha para nos fazer sofrer deu resultado.

Junte a isso o fato que os Estados Unidos recentemente elegeram um monstrengo laranja que já deixou bem evidente que sua administração, mais do que disposta, não vê a hora de fazer de todo o possível para reverter todas as conquistas que a comunidade LGBT obteve nos últimos 20 anos. A mensagem que LGBTs recebem – especialmente os mais jovens, que estão compreendendo agora sua identidade – não poderia ser mais clara e aterrorizante.

Qualquer discussão sobre saúde mental tem que começar com o que acontece nas escolas. Apesar dos progressos que acontecem a seu redor, as instituições educacionais continuam sendo um lugar perigoso para crianças queer, repleta de alunos valentões, professores indiferentes e políticas retrógradas. Emily Greytak, diretora de pesquisa da organização antibullying GLSEN, afirma que entre 2005 e 2015 a porcentagem de adolescentes que afirmavam terem sido assediados por causa de sua orientação sexual não diminuiu em nada. Apenas 30 por cento dos distritos escolares dos EUA contam com medidas de combate ao bullying que mencionam especificamente crianças LGBT, e milhares de outros distritos têm medidas que proíbem os professores de falar sobre homossexualidade de maneira positiva.

Essas restrições fazem com que seja muito mais difícil para as crianças lidar com o estresse de minoria. Felizmente não é necessário que todos os professores e todos os machinhos adolescentes passem a aceitar LGBTs do dia para a noite para que a situação melhore. Há quatro anos Nicholas Heck, um pesquisador da Universidade Marquette, orienta grupos de apoio para jovens gays em escolas de ensino médio. Ele ensina como eles devem interagir com seus colegas de classe, seus professores e seus pais, e tenta auxiliá-los a distinguir o estresse que todos os adolescentes sentem dos estresses que sentem por causa de sua sexualidade. Um desses jovens, por exemplo, sofria com a pressão de seus pais para que entrasse em uma faculdade de artes, não em uma de economia. A intenção deles era boa – estavam tentando incentivá-lo a entrar num ramo em que encontraria menos pessoas homofóbicas – mas isso lhe causava ansiedade: se ele desistisse do mercado financeiro, ele estaria cedendo aos estigmas? Se ele fosse para a escola de artes e mesmo assim fosse alvo de bullying, ele poderia contar para seus pais?

O truque, afirma Heck, é fazer que os jovens façam essas perguntas abertamente, porque um dos sintomas clássicos do estresse de minoria é a fuga. Os jovens escutam comentários ofensivos no corredor, então decidem entrar em um corredor diferente, ou colocam fones de ouvido. Se pedem auxílio para um professor e são ignorados, desistem de procurar o apoio de adultos. Mas os alunos que fazem parte desse estudo, afirma Heck, já começam a rejeitar a responsabilidade que costumavam sentir por serem alvo de assédio. Eles aprendem que, apesar de não serem capazes de mudar o que se passa a seu redor, eles podem não culpar a si mesmos pelo que está acontecendo.

Entre os jovens, portanto, o objetivo é encontrar e coibir o estresse de minoria. Mas o que pode-se fazer para aqueles entre nós que já têm esse estresse internalizado?

“Já existe muito trabalho para os jovens queer, mas não há nada similar para aquelas pessoas que estão na faixa dos 30 ou 40 anos”, lamenta Salway. “Eu não faço ideia de onde se pode buscar esse tipo de apoio.” O problema, afirma, é que construiu-se infraestruturas totalmente distintas para o tratamento de doenças mentais, a prevenção de HIV e a recuperação do abuso de drogas, apesar dos indícios de que essas não são três epidemias, e sim uma só. As pessoas que sofrem com rejeição têm maior probabilidade de se automedicarem, o que as torna mais sujeitas a praticarem sexo sem proteção, o que as torna mais suscetíveis ao HIV, o que as torna ainda mais sujeitas à rejeição, e assim por diante.

Nos últimos cinco anos, conforme acumulou-se indícios dessas conexões, alguns psicólogos e epidemiologistas começaram a tratar a alienação entre gays como algo “sindêmico”: um conjunto de problemas de saúde impossíveis de serem resolvidos separadamente.

Pachankis, o pesquisador de estresse, acabou de completar o primeiro estudo com controle randomizado sobre terapia comportamental cognitiva “pró-gay”. Depois de anos de fuga emocional, muitos homens gays “literalmente não sabem o que sentem”, alerta. Quando escutam seu parceiro dizer “eu te adoro”, eles respondem “eu adoro geleia”. Eles se separam do cara com quem estavam se envolvendo porque ele esqueceu a escova de dente em casa. Ou, como muitos dos caras com quem eu conversei, fazem sexo sem proteção com alguém que nunca viram antes porque não conseguem dar ouvidos a seus próprios temores.

Esse tipo de distanciamento emocional está presente por toda parte, acredita Pachankis, e muitos dos homens com quem trabalha passam anos sem perceber que tudo aquilo pelo que batalham tanto – um corpo perfeito, trabalhar mais e melhor que seus colegas, reunir o grupo perfeito para uma festinha do Grindr no final de semana – não faz mais do que reforçar seu próprio medo de rejeição.

Bastou apontar esses padrões para se conseguir grandes resultados: os pacientes de Pachankis passaram a ter níveis menores de ansiedade, depressão, uso de drogas e sexo sem preservativo em apenas três meses. Ele agora está expandindo o estudo para incluir mais cidades e mais participantes, com um prazo maior.

Essas soluções são promissoras, mas ainda são imperfeitas. Eu não sei se será possível vermos o dia em que o desnível de saúde mental entre pessoas heterossexuais e pessoas homossexuais vai chegar ao fim, pelo menos não completamente. Sempre haverá mais jovens heterossexuais que jovens homossexuais, nós sempre estaremos isolados entre eles, e sempre estaremos, em algum nível, crescendo solitários em nossas famílias, em nossas escolas e em nossas cidades. Mas talvez isso não seja de todo mau. O que nos afasta do padrão pode ser a fonte daquilo que nos atormenta, mas também é a origem de nossa presença de espírito, nossa resiliência, nossa empatia, nossos talentos superiores para nos vestirmos e dançarmos e cantarmos karaoke. Temos que nos dar conta disso ao mesmo tempo que lutamos por leis mais justas e ambientes mais amigáveis – e descobrimos uma maneira de sermos mais gentis uns com os outros.

Eu não consigo deixar de pensar no que Paul, o desenvolvedor de software, me falou: “os gays sempre disseram para si mesmos que tudo estaria bem quando a epidemia da Aids estivesse sob controle. Quando isso aconteceu, tudo ficaria bem quando nós pudéssemos nos casar. Agora, tudo vai ficar bem quando acabar o bullying. Estamos sempre esperando pelo momento em que poderemos sentir que não somos diferentes dos outros. Mas a verdade é que nós somos diferentes. Já está na hora da gente aceitar e aprender a lidar com isso.”

Nota: a maioria dos nomes dos personagens desse artigo são pseudônimos.


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3 comentários:

  1. Ser gay é ser mais sozinho que se possa imaginar. Lágrimas do início ao fim da leitura.

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  2. Uma vida fadada a solidão,a relações que se desfazem como areia que escorre pelos dedos,relações de afeto que terminam na semana seguinte.

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  3. O que podemos fazer alem de divulgar esta leitura?!

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